Entrevista

Jovem homossexual português residente em Espanha

“O ‘espírito’ português é o de ficarem presas ao passado”

Luís Pedro de Castro tem 27 anos e está a residir em Barcelona há três. Decidiu ir para Espanha para desenvolver e divulgar o trabalho artístico que tem feito na área da fotografia, o qual lhe tem valido alguns prémios e publicações, desde que se fixou na Catalunha. Luís, ou strangelfreak, como é conhecido no meio artístico, considera haver diferenças de tratamento para com os cidadãos homossexuais entre os dois países. Foi, já, vítima de agressão em Portugal, mas isso nunca o impediu de lutar pelos seus direitos, exprimindo nas suas fotografias, parte de pensamentos activistas, aliados a sentimentos de intimidade humana entre seres do mesmo género.

Quando soube e assumiu que era homossexual? E a família como reagiu?
Eu sempre soube, não foi uma questão de descoberta, nem tive nenhuma revelação. No meu caso específico, por acaso, a minha família foi, desde sempre, habituada por mim (como conviviam comigo) e era um ‘bocadinho’ difícil não reparar que havia uma certa amplitude mental no que diz respeito à sexualidade.

Em Portugal, já alguma vez foi vítima de discriminação por ser homossexual?
Sim, pelo meu ‘lindo’ sorriso podes ver que sim.[1]Nas discotecas, por exemplo, em que as pessoas estão mais alcoolizadas e aproveitam para descarregar em cima de quem acham mais ‘estranho’. Mas, por acaso, nisso tive sorte, porque eu era daquelas pessoas a quem batiam e eu ia para a coluna dançar.

Como explica não ter sido protegido pelas autoridades portuguesas, na altura em que foi agredido?
No meu caso, eu acho que se as pessoas continuarem a funcionar numa questão de ‘pseudo-aceitação’ e de não terem a noção de que há certos comportamentos e atitudes graves, continuam a achar que a ignorância é uma justificação suficiente para uma questão como a agressão.

Em Espanha, as autoridades e a população estão mais informadas em relação à homossexualidade?
Aqui em Espanha têm programas que educam sobre a normalidade da identidade sexual, no que diz respeito à homossexualidade, bissexualidade e transgeneirismo, tendo este último deixado de ser considerado transtorno de identidade. Na questão da protecção dos cidadãos, por exemplo, existe uma polícia gay da Catalunha, que está mais atenta e é mais sensível aos casos de agressão por homofobia.[2]

Que diferenças de actuação junto da comunidade nota entre as associações LGBT portuguesas e espanholas?
Aqui há associações que fazem todo o tipo de manifestações, palestras…e não estão à espera que alguém tome a iniciativa. Isso, acho que é uma das principais características daqui. Toda a gente tem ideias, aproveita-as e actua sobre elas. As pessoas juntam-se mais facilmente do que em Portugal.

Isso deve-se à tradição que Barcelona tem, na questão da luta pelos direitos homossexuais? (Veja-se até pelo filme “Milk”…)
Sim porque, pela história da Catalunha, aqui em Barcelona, havia ligação, de alguma forma, com o que estava a acontecer nos Estados Unidos da América. E o “Orgulho Gay” começou, precisamente, a partir de “Stonewall”, como uma forma de relembrar esses tempos em que aconteceram confrontos violentos entre a polícia e a comunidade LGBT, em Nova Iorque.[3]

A que acha que se deve a diferença de mentalidades entre os portugueses e os espanhóis, no que respeita à aceitação da homossexualidade no campo artístico?
Em Espanha, desde a revolução dos anos 70 que souberam aproveitar melhor a liberdade que tiveram, criando muitos artistas ‘paralelos’ que deram toda uma nova imagem de Espanha baseada na liberdade de expressão e na liberdade artística. Em Portugal, isso não aconteceu. As pessoas tiveram liberdade mas não acontecia nada. O ‘espírito’ português é o de ficarem presas ao passado, em coisas que aconteceram há mil anos, sem se lembrarem que o mundo continua a evoluir.

Nos seus trabalhos artísticos, é comum verem-se retratados elementos ligados à homossexualidade, bissexualidade e transgeneirismo. Como surgiu o seu interesse pela arte gay?
Eu faço questão de que todos os meus trabalhos estejam relacionados com sentimentos e emoções. Sempre tive o interesse de retratar pessoas que se diferenciassem da cultura ‘mainstream’ e essa postura e cultura de valores foi o que sempre me fascinou a começar a minha arte. Comecei a integrar elementos da cultura homossexual no meu trabalho, como uma forma de desmistificar ‘tabus’ e preconceitos relacionados com a identidade de género e fui incorporando isso num movimento artístico contemporâneo.

Nota diferenças na recepção da sua arte entre o público português e o espanhol?
Em relação à capacidade de aceitação, sim. Em Portugal, eu tentei e tenho amigos meus que são homossexuais e têm espaços, mas acho que ninguém está disposto a começar a arriscar. E aqui em Barcelona, é diferente, falo com as pessoas e convido-as para as exposições e todas elas aparecem.

Aceitaria, no futuro, o casamento civil com um parceiro seu?
Acho que sim, porque quando tinha uma relação, acabava por ficar anos e vivíamos juntos e tudo. O casamento civil permite não só a possibilidade de benefícios a nível fiscal, mas também o reconhecimento da dignidade pessoal. Permite que vá visitar o meu companheiro ao hospital, por exemplo, e resolver questões morais, como é o caso da herança. Porque, se o meu parceiro morrer, quem é que fica com a herança? Nestes casos, a família pode basicamente deitar abaixo uma relação de quarenta anos de vivência a dois e ficar intitulada herdeira dos bens do casal.


[1]Luís Pedro refere-se a um episódio de agressão no qual lhe partiram os dentes. Chegou a fazer queixa à polícia, mas nada foi feito até agora.
[2]A Asociación de Gays y Lesbianas Policías (Gaylespol), tem, desde 2007, um programa específico que consiste numa linha de emergência a vítimas homossexuais e na formação a polícias para tratar de igual modo, cidadãos de várias identidades sexuais. O programa “No te lo calles, denúncialo” actua, por enquanto, apenas na Catalunha, sendo que a iniciativa pretende ser alargada a toda a Espanha. Fonte: http://www.adn.es/ciudadanos/20070902/NWS-0320-gay-policia-denuncia-homofobia.html
[3]O episódio de “Stonewall”, nome também de um bar em Nova Iorque onde se reuniam grupos de gays, lésbicas e transgéneros, ocorreu no dia 28 de Junho de 1969. A comunidade LGBT, que frequentava o referido bar, resistiu às forças policiais, tendo-se originado confrontos violentos, entre os dois grupos. No ano seguinte, a comunidade LGBT uniu-se numa marcha pelas cidades de Nova Iorque e de Los Angeles, para relembrar os confrontos desse dia, dando origem ao primeiro “Gay Pride”. Actualmente o “Gay Pride” é realizado em quase todo o mundo e sempre no final de Junho. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Stonewall_riots

Entrevista realizada no dia 13 de Maio e gravada em directo, em vídeo, através do programa de conversação, Windows Live Messenger ®.

Casamentos homossexuais | Universidade do Minho | Instituto de Ciências Socias | Ciências da Comunicação | Braga, 2009